Brasil é considerado líder na profilaxia pré-exposição ao HIV

Reconhecido internacionalmente pelos esforços realizados em prevenção e tratamento da infecção por HIV, o Brasil ganhou destaque recentemente em artigo da revista The Lancet . Assinado pelo Dr. Jerome Galea, da Harvard University, e especialistas da University of California e do Instituto Nacional de Salud Pública de México, o artigo “¡PrEP Ya! Latin America wants PrEP, and Brazil leads the way” (PrEP já! América Latina quer PrEP e Brasil lidera o caminho, em tradução livre) destaca um trabalho brasileiro publicado na mesma edição, liderado pela pesquisadora Beatriz Grinsztejn, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, Fundação Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro. A pesquisa demonstra que a profilaxia pré-exposição (PrEP) ao vírus HIV funciona no mundo real e, mais concretamente, no grupo-alvo prioritário para a estratégia preventiva: homens que fazem sexo com homens (HSHs) e mulheres transgênero atendidas no  Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro.

Prevenção

A PrEP (do inglês, Pre-Exposure Prophylaxis) envolve a utilização de antirretroviral por pessoas não infectadas, para reduzir o risco de aquisição do HIV por meio de relações sexuais. Desde 2010, resultados de várias pesquisas vêm comprovando que o uso diário de um comprimido que combina dois antirretrovirais, o tenofovir e a emtricitabina (FTC/TDF), é eficaz na prevenção da aquisição do HIV por via sexual. A Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos aprovou o medicamento para este fim em 2012, e recentemente as autoridades brasileiras (ANVISA) aprovaram o primeiro genérico.

“A PrEP é importante porque é a primeira intervenção biomédica contra o HIV para pessoas que praticam sexo anal e ou vaginal que é altamente efetiva na prevenção do HIV quando usada de forma correta e consistente. Ela coloca o parceiro receptivo durante o sexo no controle, porque não requer nem esforço nem conhecimento do parceiro insertivo”, disse ao Medscape o Dr. Galea, que é pesquisador-associado no departamento de Saúde Global e Social daHarvard Medical School.

“Mais ainda, a PrEP previne a infecção por HIV nos usuários de drogas injetáveis e, o mais importante, é segura e é aceita pelas comunidades que podem se beneficiar mais dela.”

O estudo, realizado em dois centros públicos de São Paulo e em um do Rio de Janeiro durante quase um ano tinha como requisito de admissão adultos com um ou mais critérios de risco de infecção por HIV no último ano (sexo anal sem camisinha com um ou mais parceiros, um ou mais episódio de sexo anal com parceiro HIV positivo ou histórico de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs).

Resultados

A pesquisa brasileira determinou a viabilidade de prover de forma gratuita uma dose diária de tenofovir e emtricitabina a homens que fazem sexo com homens e a mulheres transgênero. Dos 450 participantes, 375 (83%) permaneceram até o final do programa, e destes, 74% tinham concentrações do medicamento consistentes com ao menos quatro doses semanais. Dos 148 participantes que reportavam sexo com parceiro infectado com HIV, 80% demonstraram adesão à PrEP.

Não houve evidências de aumento de atividade sexual em situações de risco ao longo das 48 semanas de participação, algo conhecido como compensação de risco. O número médio de parceiros sexuais nos três meses anteriores diminuiu de 11,4 para 8,3 na semana 48. A proporção de participantes relatando sexo receptivo (como passivo) sem preservativo não variou significativamente. Observou-se uma maior adesão entre os que relataram usar drogas estimulantes (por exemplo, cocaína, ecstasy, GHB, etc.) em relação aos que não usavam.

O percentual de participantes com quantidade satisfatória de FTC/TDF no sangue diminuiu ao longo do tempo – de 88 participantes (78%) na semana 4 para 67 (59%) na semana 48, mas no período estudado, houve apenas dois indivíduos soroconvertidos, nenhum deles com concentrações detectáveis de tenofovir no sangue no momento da soroconversão.

“Nossos resultados apoiam a efetividade e a viabilidade da PrEP no mundo real. Oferecer PrEP em centros públicos de saúde em países de média renda pode reter um número importante de participantes, e alcançar altos níveis de adesão sem compensação de risco nas populações investigadas”, concluem os autores.

Seleção e aconselhamento

A profilaxia pré-exposição não é para todos, sendo indicada para pessoas com maiores chances de entrar em contato com o HIV, como homens que fazem sexo com homens, pessoas trans, e trabalhadores(as) do sexo. O uso de PrEP também pode ser considerado entre pessoas que frequentemente deixam de usar preservativo nas relações sexuais (anais ou vaginais); que mantêm relações sexuais sem proteção com parceiro HIV positivo que não esteja em tratamento, faz uso repetido de profilaxia pós-exposição ao HIV (PEP) ou apresenta episódios frequentes de infecções sexualmente transmissíveis. Um outro estudo já demonstrou que entre homens que fazem sexo com homens e mulheres trans brasileiros, a PrEP diária poderia aumentar a expectativa de vida e seria custo-efetiva.

Para alguns indivíduos apenas o preservativo já oferece o nível de proteção necessário, mas outros podem usar preservativo e PrEP. Segundo o Dr. Galea, cada indivíduo deve decidir o que faz mais sentido para si, mas ele salienta que “a PrEP não é apenas um remédio, envolve visitas regulares a clínicas de saúde, o que seria um benefício adicional porque facilitaria o engajamento regular das pessoas vulneráveis com o sistema de saúde, onde podem ser enfrentadas outras comorbidades, como outras ISTs, condições de saúde mental e necessidades sociais”.

Os autores do artigo brasileiro ressaltaram a importância do aconselhamento para reforçar a adesão à PrEP, especialmente se direcionada a grupos e pessoas que mais precisam de incentivo. Durante a pesquisa, os participantes compareciam ao centro de saúde em visitas agendadas para receber o medicamento, avaliar o comportamento sexual e eventual uso de drogas, e fazer testagem para HIV e outras ISTs. Em cada visita, foi fornecido aconselhamento sobre redução de comportamento de risco e sobre adesão à PrEP.

Outros autores também destacaram, diante de relatos de que, com o tempo de uso de PrEP, haveria aumento de ISTs, assim como da prática de sexo sem preservativo, que os médicos precisam aproveitar a consulta da PrEP para informar os pacientes em tratamento sobre doenças sexualmente transmissíveis e também sobre outras formas de prevenção.

Expansão

Uma revisão recente publicada por especialistas das Universidades de Harvard e Michigan na revista JAMA destaca que a eficácia da PrEP, que se correlaciona com o grau de adesão, supera os 90%, e que apenas 2% dos usuários descontinuam o tratamento por conta de efeitos adversos. A resistência é rara (menos de 0,1%) e acontece geralmente quando o medicamento é prescrito a pessoas já infectadas, com falsos negativos. Apesar disso, nos EUA  a PrEP é usada por menos de 20% das pessoas que poderiam se beneficiar dela. Segundo os autores, é preciso desenvolver métodos para identificar os indivíduos de maior risco de contrair HIV e assegurar o aceso à medicação e a maximização da adesão à profilaxia.

Hoje são 28 os países que incluem dispensam a PrEP nos seus planos nacionais. Em 2018, sete países de América Latina e Caribe irão iniciar estudos de demonstração com a PrEP em seus territórios; outros três já iniciaram a implementação da profilaxia com financiamento público.

No primeiro relatório sobre os avanços alcançados no fortalecimento do compromisso político de prevenção de novas infecções por HIV, a Coalizão Global sobre Prevenção do HIV informou que a PrEP já é oferecida no Brasil em 36 hospitais de 11 estados e o Distrito Federal. Segundo o relatório, está prevista expansão para 65 locais em 26 estados.

A pesquisa foi financiada por Ministério da Saúde do Brasil, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Secretaria de Vigilância em Saúde, Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). A empresa Gilead Science doou a droga e financiou os custos relativos à medição da droga no sangue, sem intervir no desenho do estúdio, na analise e na interpretação dos dados, ou na redação do manuscrito Dois dos autores do trabalho receberam apoio financeiro ou fizeram pesquisas nas quais a droga foi doada pela Gilead Science. Os outros declaram não possuir conflitos de interesses. O Dr. Jerome Galea declara não possuir conflitos de interesses.
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