Em um ano, covid já matou mais brasileiros do que a aids desde 1996

Em um ano de pandemia, a covid-19 já matou mais gente do que o HIV desde 1996 no Brasil. A letalidade foi superada na terça (16), quando as vítimas de coronavírus chegaram a 282.127. As mortes em decorrência da aids entre 1996 e 2019, no placar disponibilizado pelo Ministério da Saúde, são 281.156.

Ainda não há dados atualizados de 2020 e 2021 nesse balanço. De 2008 para cá, a média de vítimas da aids tem sido relativamente estável. Em 2019, foram 10,5 mil.

É provável, portanto, que a soma dessas mortes ainda seja um pouco maior, beirando os 300 mil. Mas a chance de a pandemia ultrapassar já nos próximos dias a mortandade provocada pelo HIV em 23 anos é certa.

Para entender como chegamos a esse ponto, primeiro é preciso entender as naturezas distintas das duas viroses, diz Margareth Dalcomo, pneumologista e pesquisadora da Fiocruz. A covid é uma virose aguda, a aids, crônica —e para doenças assim não há vacinas, embora remédios antivirais funcionem melhor.

“Isso explica por que os tratamentos medicamentosos [contra o coronavírus] são tão frustrantes até agora, como sói ser nas demais viroses”, afirma Dalcomo. “A aids hoje é uma doença crônica com a qual a pessoa vive perfeitamente, vida normal.”

O coronavírus que se alastrou pelo mundo em 2020 tem três vezes o tamanho do HIV e duas vezes o da influenza. Produz muitas proteínas, e “essa composição o torna muito especial”, diz a pesquisadora. “Não é grandemente mutante, mas, como se trata de epidemia muito longa, foi capaz de centenas de mutações. Não é a natureza do vírus, foi a maneira como ele se disseminou.”

Com as viroses agudas, como sarampo, caxumba e agora a covid, a melhor estratégia é uma boa campanha de vacinação, segundo a pneumologista. O Brasil ainda patina nessa área.

Professor do Departamento de Medicina Preventiva da USP, André Mota aponta que toda pandemia possui um caminho epidemiológico: identificação, velocidade de contágio, ações de controle e prevenção. “A aids teve, no caso brasileiro, rapidamente uma ação de políticas públicas voltadas para cada um desses elementos. Mesmo com todo o duro percurso, quando chegaram os retrovirais em 1996 já havia todo um caminho percorrido.”

No caso da covid-19, a rapidez de contágio e letalidade exigia políticas públicas igualmente ligeiras, “coordenadas centralmente pelo governo federal, estadual e municipal”, diz Mota. “Mas não houve.”

A crise sanitária que se desenhava era zero discreta, mas não ganhou a devida atenção, afirma o professor. “Quiseram trilhar pela ausência de ações tecnológicas conhecidas e que poderiam fazer toda a diferença. O resultado foi o colapso nacional do sistema hospitalar e de saúde em várias instâncias, além de uma população num tiroteio de informações contraditórias.”

Para Mota, o quadro se agravou ainda mais com o déficit de medidas preventivas. “Ônibus, trens e metros lotados são uma ponta deste iceberg. Finalmente, restou como saída a vacinação em massa, que não ocorreu, porque não houve vontade política. Perdemos a batalha e grande parte da guerra. Não há mais tempo pois, as mortes já foram registradas. A ação atual, na minha visão, é a de redução de danos.”

Fonte: Agência Aids

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